O grito de amor do Grajaú
O
nascimento de um deus
Num
apartamento monoambiente, nas esquina das ruas Caçapava e Uberaba, vivia um mulato de 1,80 metros de altura , olhos verdes e corpo
esculpido pelos mais de 20 anos de natação na equipe do Tijuca
Tênis Clube. Teodoro seria um lindo exemplar da mestiçagem
brasileira, se não fosse por suas feições rostrais. O sujeito era
feio de matar. Carregava em seu rosto traços que levava, mesmo o
mais beato dos homens, a acreditar que aquilo era obra do diabo .
Tinha um nariz que lhe tomava toda face, os lábios eram tão
grandes que lhe dificultavam a fala,e nos dias de sol , quase
sempre no posto 9 da praia de Ipanema , ficavam rachados como o solo
do sertão em tempos de seca , o que implicava numa hemorragia
fétida. Não obstante à sua feiura obtusa , seus amigos de bairro
nunca gastaram advérbios para superlativar tal fato. O rapaz possuía
uma deformidade física que chamava muito mais a atenção, e que lhe
rendera o apelido de Centauro.
Tudo começou ainda na infância, após uma pelada na praça Nobel,
num típico dia de verão carioca ,sob um calor desses de 50 graus à
sombra . O grupo de meninos, do qual Teodoro integrava, resolveu
abrir um dos hidrantes do corpo de bombeiros para refrescar-se. Após
todos estarem encharcados , um silêncio quedou-se entre os jovens,
todos os olhares miravam Teodoro ,que vestindo um calção branco do
América, seu time do coração, deixara transparecer seu mais
guardado segredo. Era um segredo enorme. Neste momento, o menino corre
em direção à sua casa , chorando, com a vergonha de quem roubou e
não pôde levar. Desde então , o nome Teodoro caiu no ostracismo
entre os moradores do Grajaú, ninguém o lembrava. Até mesmo as
senhoras o conheciam como Centauro, um deus da mitologia grega.
O
mito
O
tempo passou, o grupo de meninos ficou adulto, mas continuaram amigos
e encontrando-se religiosamente às sextas-feiras no Bar du Bom , a
fim de pôr a conversa em dia. Em um desses encontros, Ricardo, um
dos que pertenciam ao grupo, perguntou a Centauro:
-
E ai, rapaz? Como andas com a mulherada?
Ele,
que há muito se acostumara com o codinome , respondeu:
-
Continuo com as gordinhas, não há nada melhor nesse mundo.
Centauro
tinha uma teoria que não só levava a sério , como tinha um prazer
orgásmico em repeti-la :
-Sair
com uma gorda é o mesmo que dar um prato de comida a um mendigo. Não
importa o menu, será degustado com prazer.
Todavia,
no seu intimo sabia que esta rara predileção encobria a história
de um homem pouco afeiçoado e de autoestima baixa, sempre
acostumado a sair sozinho das boates na adolescência e a ser
descartado pelas meninas nos tempos de colégio. Para os amigos a
razão do gosto duvidoso era outa:
-
Também, só mesmo uma gorda pra aguentar essa perna de três que
trazes dependurada.-
disse Roberto, outro amigo de infância, arrancando sobejas
gargalhadas de todos os presentes no Bar du Bom ,na rua Grajaú.
Centauro
disfarçava o ressentimento com uma risada forçada, falsa . Era um
homem carinhoso , sonhava em casar-se . Mesmo na hora do sexo,
sabendo do seu "defeito", era zeloso com suas gordas .
Certa vez, uma de suas amantes comparou seu ato sexual a um
enfermeiro aplicando uma injeção, e que lhe dizia :
-
Não te preocupes! Vou devagar para não machucar...
Ademais, ele nutria uma paixão por uma moça que conhecera desde os
tempos de moleque nas ruas do bairro.
A
virgem
Em
frente à casa de Teodoro, vivia uma menina linda , morena , cabelos
negros e bem lisos , olhos verdes como esmeraldas ,seios fartos, mas
não exagerados, de contornos eróticos na região da cintura pélvica.
Chamava-se Cassandra. Diferente das outras meninas do bairro, com
18 anos ,ela não havia conhecido homem algum.
-
Prefiro esperar pelo meu príncipe. - dizia, com um
olhar esperançoso e pervertido, ao ser interrogada por suas
amigas.
Era -sem dúvida- uma das mulheres mais desejadas na região da grande
Tijuca. Nos fins de semana de sol, havia um verdadeiro duelos de
galanteadores , onde o louro da vitória era um lugar ao seu lado no
banco do lotado 434, rumo ao Leblon.
Fazia
anos que Teodoro a admirava pela janela do seu apartamento. Sabia
todos os horários da donzela, velava-a dia e noite, mas
faltava-lhe coragem para intentar um contato, por mais breve que
fosse.
Num
sábado de carnaval, no meio do bloco " vai tomar no Grajaú",
que cantava, com entusiasmo, a machinha saca-rolha, eis que
Centauro lobriga a amada , e numa dessas atitudes incoercíveis que
um homem toma a cada século de vida, lança-se como um kamikaze
em direção à Cassandra.
-
Estás gostando? - perguntou-lhe com um hálito
alcoólico evidente.
-
Agora ficou melhor.- respondeu Cassandra, pondo-lhe os
antebraços sobre os ombros e cruzando as mãos por detrás da nuca
do espavorido ser.
Não lhe restava outra alternativa , teria que beijá-la . Porém,
como era bom moço e sabia da sua fama de garota invicta, Teodoro
resolveu fazer-se de um cavalheiro de carnaval e a levou para um
canto, longe da multidão.
-
Desculpe , acho que deixei levar-me pela emoção-
disse a moça, já arrependida da ousadia .
Foi
então que o rapaz teve mais um ataque súbito de coragem:
-
Quer ser minha namorada?
A
moça com um sorriso, não se sabe se de deboche ou alegria, aceitou
a proposta. E só depois disso se beijaram.
O
dilema
Passaram-se
dois meses e já estavam noivos. Teodoro não podia, sequer, pensar
em perdê-la. Por outro lado tinha uma ideia fixa de que não podia
casar-se sem antes experimentá-la.
-
E se ela não gostar? Como ficam as coisas? - repetia,
preocupado, aos amigos do Bar du Bom.
Para
Cassandra, este tema não era nenhum problema. Marcaram um jantar à
luz de velas no monoambiente de Teodoro, a fim de resolver o
imbróglio.
Dias
antes do tira-teima, Centauro fez uma visita a um termas que
costumava frequentar na rua do Ouvidor ,no centro. Como era de
costume , sua presença era percebida por todos os frequentadores e
funcionárias, o comportamento destas se fazia singular. As
meretrizes se escondiam pelos cantos , numa tentativa desesperada de
não serem avistadas pelo Centauro do Grajaú. Ninguém melhor do que
estas meninas para descrever o quanto era difícil suportá-lo. Havia
uma única meretriz que o enfrentava , e o fazia com prazer . Pâmela
era uma negra alta e gorda , de 120 cm de quadril , mãos grandes e
lábios carnudos.
-
Olá! A quanto tempo... Casou-se ?- Pâmela
era também a psicóloga favorita de Teodoro.
-
Não, mas estou noivo e quero perguntar-lhe algo, mas responda-me com
toda sinceridade. - disse, com medo das resposta que
poderia receber.
-
Pode perguntar meu amor.- sorriu a menina, com o
deboche peculiar de toda puta.
-
Você acha que minha noiva me aguentaria? - Pâmela ,
após uma risada alta que fez ouvir-se até aos que passavam pela
rua, respondeu:
-
Meu anjo, nem eu que sou uma profissional - especialista aguento esta
sucuri.- e ao mesmo tempo em que falava, apontava o
dedo para o defeito físico do cliente.
O
mesmo medo de perder Cassandra era o de lastimá-la. A problemática
tomou de assalto a vida, até então feliz , de Teodoro. Como não
machucar o seu amor prodígio? E se machucá-la , seguramente o
abandonará em busca de outro com dimensões ditas "normais".
O homem não dormia .Conforme acercava-se a hora do esperado
encontro, mais pesados se faziam os pensamentos em sua mente. Horas
antes do encontro com a amanda , Centauro sai de casa em direção à
Tijuca, está disposto a dar um fim aquele fardo que lhe pesava mais
que todas as gordas que havia comido até então.
-
Se não for comigo, não será com mais ninguém. - repete , como um
mantra, ao entrar numa loja de utensílios para o lar.
-
Por favor, um facão para churrasco.- solicita ao
atendente da loja.
O grito
Enfim
é chegada a hora. Cassandra estava divina num vestido vermelho que
lhe acentuava as curvas e um decote generoso e sedutor. O prato
servido foi salmão grelhado, uma especialidade de Centauro.
-
Estava bom?- balbuciou Teodoro.
-
Sim , e eu trouxe a sobremesa. -respondeu Cassandra com
uma voz sedutora somada a uma cara de terrível ninfeta, deixando-se
entender o duplo sentido da afirmação.
Eles
começam a beijar-se quando Centauro interrompe o ato :
-
Dá -me 1 minuto e já volto.- dirigindo-se ao
banheiro, onde havia escondido o facão recém-comprado.
Instantes
depois, escuta-se um grito estridente vindo do banheiro . Teodoro
,ainda excitado e com a mente atormentada pelo seu dilema particular
, havia decepado ao meio o órgão genital. Cassandra corre em
direção ao noivo, e presenciando o cenário funesto, cai aos pés
do agora ex-Centauro dizendo:
-
Eu nunca te amei, só desejava isto que tinhas entre as pernas.
Cassandra
foi trabalhar num termas ,na rua do Ouvidor,o mesmo que que Teodoro
frequentava outrora , na esperança de encontrar um outro deus
Centauro para sua vida.
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