20/02/2013

CRÔNICAS DE BAR


O grito de amor do Grajaú





O nascimento de um deus

Num apartamento monoambiente, nas esquina das ruas Caçapava e Uberaba,  vivia um mulato de 1,80 metros de altura , olhos verdes e corpo esculpido pelos mais de 20 anos de natação na equipe do Tijuca Tênis Clube. Teodoro seria um lindo exemplar da mestiçagem brasileira, se não fosse por suas feições rostrais. O sujeito era feio de matar. Carregava em seu rosto traços que levava, mesmo o mais beato dos homens, a acreditar que aquilo era obra do diabo . Tinha um nariz que lhe tomava toda face, os lábios eram tão grandes que lhe dificultavam a fala,e nos dias de sol , quase sempre no posto 9 da praia de Ipanema , ficavam rachados como o solo do sertão em tempos de seca , o que implicava numa hemorragia fétida. Não obstante à sua feiura obtusa , seus amigos de bairro nunca gastaram advérbios para superlativar tal fato. O rapaz possuía uma deformidade física que chamava muito mais a atenção, e que lhe rendera o apelido de Centauro.

Tudo começou ainda na infância, após uma pelada na praça Nobel, num típico dia de verão carioca ,sob um calor desses de 50 graus à sombra . O grupo de meninos, do qual Teodoro integrava, resolveu abrir um dos hidrantes do corpo de bombeiros para refrescar-se. Após todos estarem encharcados , um silêncio quedou-se entre os jovens, todos os olhares miravam Teodoro ,que vestindo um calção branco do América, seu time do coração, deixara transparecer seu mais guardado segredo. Era um segredo enorme. Neste momento, o menino corre em direção à sua casa , chorando, com a vergonha de quem roubou e não pôde levar. Desde então , o nome Teodoro caiu no ostracismo entre os moradores do Grajaú, ninguém o lembrava. Até mesmo as senhoras o conheciam como Centauro, um deus da mitologia grega.
O mito

O tempo passou, o grupo de meninos ficou adulto, mas continuaram amigos e encontrando-se religiosamente às sextas-feiras no Bar du Bom , a fim de pôr a conversa em dia. Em um desses encontros, Ricardo, um dos que pertenciam ao grupo, perguntou a Centauro:

- E ai, rapaz? Como andas com a mulherada?

Ele, que há muito se acostumara com o codinome , respondeu:

- Continuo com as gordinhas, não há nada melhor nesse mundo.

Centauro tinha uma teoria que não só levava a sério , como tinha um prazer orgásmico em repeti-la :

-Sair com uma gorda é o mesmo que dar um prato de comida a um mendigo. Não importa o menu, será degustado com prazer.




Todavia, no seu intimo sabia que esta rara predileção encobria a história de um homem pouco afeiçoado e de autoestima baixa, sempre acostumado a sair sozinho das boates na adolescência e a ser descartado pelas meninas nos tempos de colégio. Para os amigos a razão do gosto duvidoso era outa:

- Também, só mesmo uma gorda pra aguentar essa perna de três que trazes dependurada.- disse Roberto, outro amigo de infância, arrancando sobejas gargalhadas de todos os presentes no Bar du Bom ,na rua Grajaú.
Centauro disfarçava o ressentimento com uma risada forçada, falsa . Era um homem carinhoso , sonhava em casar-se . Mesmo na hora do sexo, sabendo do seu "defeito", era zeloso com suas gordas . Certa vez, uma de suas amantes comparou seu ato sexual a um enfermeiro aplicando uma injeção, e que lhe dizia :

- Não te preocupes! Vou devagar para não machucar...

Ademais, ele nutria uma paixão por uma moça que conhecera desde os tempos de moleque nas ruas do bairro.

A virgem

Em frente à casa de Teodoro, vivia uma menina linda , morena , cabelos negros e bem lisos , olhos verdes como esmeraldas ,seios fartos, mas não exagerados, de contornos eróticos na região da cintura pélvica. Chamava-se Cassandra. Diferente das outras meninas do bairro, com 18 anos ,ela não havia conhecido homem algum.

- Prefiro esperar pelo meu príncipe. - dizia, com um olhar esperançoso e pervertido, ao ser interrogada por suas amigas.

Era -sem dúvida- uma das mulheres mais desejadas na região da grande Tijuca. Nos fins de semana de sol, havia um verdadeiro duelos de galanteadores , onde o louro da vitória era um lugar ao seu lado no banco do lotado 434, rumo ao Leblon.
Fazia anos que Teodoro a admirava pela janela do seu apartamento. Sabia todos os horários da donzela, velava-a dia e noite, mas faltava-lhe coragem para intentar um contato, por mais breve que fosse.


Num sábado de carnaval, no meio do bloco " vai tomar no Grajaú", que cantava, com entusiasmo, a machinha saca-rolha, eis que Centauro lobriga a amada , e numa dessas atitudes incoercíveis que um homem toma a cada século de vida, lança-se como um kamikaze em direção à Cassandra.

- Estás gostando? - perguntou-lhe com um hálito alcoólico evidente.

- Agora ficou melhor.- respondeu Cassandra, pondo-lhe os antebraços sobre os ombros e cruzando as mãos por detrás da nuca do espavorido ser.

Não lhe restava outra alternativa , teria que beijá-la . Porém, como era bom moço e sabia da sua fama de garota invicta, Teodoro resolveu fazer-se de um cavalheiro de carnaval e a levou para um canto, longe da multidão.

- Desculpe , acho que deixei levar-me pela emoção- disse a moça, já arrependida da ousadia .

Foi então que o rapaz teve mais um ataque súbito de coragem:

- Quer ser minha namorada?

A moça com um sorriso, não se sabe se de deboche ou alegria, aceitou a proposta. E só depois disso se beijaram.


O dilema

Passaram-se dois meses e já estavam noivos. Teodoro não podia, sequer, pensar em perdê-la. Por outro lado tinha uma ideia fixa de que não podia casar-se sem antes experimentá-la.

- E se ela não gostar? Como ficam as coisas? - repetia, preocupado, aos amigos do Bar du Bom.

Para Cassandra, este tema não era nenhum problema. Marcaram um jantar à luz de velas no monoambiente de Teodoro, a fim de resolver o imbróglio.


Dias antes do tira-teima, Centauro fez uma visita a um termas que costumava frequentar na rua do Ouvidor ,no centro. Como era de costume , sua presença era percebida por todos os frequentadores e funcionárias, o comportamento destas se fazia singular. As meretrizes se escondiam pelos cantos , numa tentativa desesperada de não serem avistadas pelo Centauro do Grajaú. Ninguém melhor do que estas meninas para descrever o quanto era difícil suportá-lo. Havia uma única meretriz que o enfrentava , e o fazia com prazer . Pâmela era uma negra alta e gorda , de 120 cm de quadril , mãos grandes e lábios carnudos.

- Olá! A quanto tempo... Casou-se ?- Pâmela era também a psicóloga favorita de Teodoro.

- Não, mas estou noivo e quero perguntar-lhe algo, mas responda-me com toda sinceridade. - disse, com medo das resposta que poderia receber.

- Pode perguntar meu amor.- sorriu a menina, com o deboche peculiar de toda puta.

- Você acha que minha noiva me aguentaria? - Pâmela , após uma risada alta que fez ouvir-se até aos que passavam pela rua, respondeu:

- Meu anjo, nem eu que sou uma profissional - especialista aguento esta sucuri.- e ao mesmo tempo em que falava, apontava o dedo para o defeito físico do cliente.


O mesmo medo de perder Cassandra era o de lastimá-la. A problemática tomou de assalto a vida, até então feliz , de Teodoro. Como não machucar o seu amor prodígio? E se machucá-la , seguramente o abandonará em busca de outro com dimensões ditas "normais". O homem não dormia .Conforme acercava-se a hora do esperado encontro, mais pesados se faziam os pensamentos em sua mente. Horas antes do encontro com a amanda , Centauro sai de casa em direção à Tijuca, está disposto a dar um fim aquele fardo que lhe pesava mais que todas as gordas que havia comido até então.

- Se não for comigo, não será com mais ninguém. - repete , como um mantra, ao entrar numa loja de utensílios para o lar.


- Por favor, um facão para churrasco.- solicita ao atendente da loja.


O grito

Enfim é chegada a hora. Cassandra estava divina num vestido vermelho que lhe acentuava as curvas e um decote generoso e sedutor. O prato servido foi salmão grelhado, uma especialidade de Centauro.

- Estava bom?- balbuciou Teodoro.

- Sim , e eu trouxe a sobremesa. -respondeu Cassandra com uma voz sedutora somada a uma cara de terrível ninfeta, deixando-se entender o duplo sentido da afirmação.

Eles começam a beijar-se quando Centauro interrompe o ato :

- Dá -me 1 minuto e já volto.- dirigindo-se ao banheiro, onde havia escondido o facão recém-comprado.

Instantes depois, escuta-se um grito estridente vindo do banheiro . Teodoro ,ainda excitado e com a mente atormentada pelo seu dilema particular , havia decepado ao meio o órgão genital. Cassandra corre em direção ao noivo, e presenciando o cenário funesto, cai aos pés do agora ex-Centauro dizendo:

- Eu nunca te amei, só desejava isto que tinhas entre as pernas.


Cassandra foi trabalhar num termas ,na rua do Ouvidor,o mesmo que que Teodoro frequentava outrora , na esperança de encontrar um outro deus Centauro para sua vida.

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