04/11/2012

EU TENHO COR DE PICHE

   Neste último fim de semana, foram realizadas em todo Brasil, as provas do ENEM (Exame nacional do ensino médio), no qual milhões de estudantes competem pelas escassas vagas nas universidades brasileiras. Foram 2 dias de provas que abrangem todas as matérias que lhes foram ensinadas durante o ensino médio, uma verdadeira maratona intelectual. Todos os anos, a história se repete , pessoas de todas classes sociais, sexos , idade e "raça" ; têm de passar por esta verdadeira batalha , se almejam estudar nas instituições de ensino de maior prestigio de forma gratuita. Lembro-me bem que, quando passei por este processo , minha filosofia era : aprovação ou morte !!!

   No sábado, ao passar em frente a um dos lugares onde se aplicavam tais exames, como não poderia ser diferente , avistei centenas de candidatos ; todos com a aflição estampada em suas jovens faces, era o retrato do desespero expressado em cada rosto. Porém,  em um  determinado momento, enquanto conduzia meu carro no trânsito infernal, ocasionado pelos pais que levavam seus filhinhos para o " matadouro", comecei a fazer um rápido censo . Contei quantos alunos eram brancos, negros , pardos, indígenas,  mulatos e variantes dos citados.  Obviamente não cheguei a nenhuma conclusão,  não  pela falta de tempo, o trânsito estava realmente engarrafado; e  sim, pela falta de um conceito  para distinguir quem é de cada " raça" ( sempre uso  aspas, pois a OMS não aceita classificar seres humanos por raças) . 

   O fato que me levou a refletir sobre este tema e a me divertir com a tentativa fracassada de fazer um censo sem fundamentos foi a polêmica lei de cotas nas universidades brasileiras. Como já é de conhecimento de todos , as universidades brasileiras adotam , há algum tempo, um sistema que segrega os candidatos pelas suas características físicas (cor de pele). Brancos e negros não competem pelas mesmas vagas, ou seja, o filho de um ministro negro, que conta com salário altíssimo e uma estrutura educacional invejável ,  tem uma reserva de vagas . Em contrapartida,  o filho de uma família que  estudou em uma escola particular, mesmo havendo sido paga com todo o sacrifício , terá de competir com a  maioria dos candidatos.
   Como tudo no Brasil, esta lei foi criada por um grupo de políticos aproveitadores ,que vislumbram angariar o apoio de uma parcela da  população declarada afrodescendente.  A base filosófica dessa segregação parte do conceito esdrúxulo  de que, com a reserva de vagas , tenta-se reparar uma injustiça histórica no país, na qual negros africanos foram escravizados por brancos europeus , logo,  as pessoas de pele mais escuras, mesmo após 125 da Lei Áurea,   gozam da prerrogativa de uma forma distinta (privilégio) de seleção para o ensino superior. Ora, é o mesmo que culpar as crianças brancas de hoje por um erro de seus tataravós , e quem disse que os de pele negra são descendentes somente de escravos? Se trata de algo infundado, sobretudo dentro de uma sociedade miscigenada como a nossa.

   Como saber quem é descendente de africanos e quem não o é? Pela cor da pele, olhos e traços? Lógico que não, basta lembrar-se do Michael Jackson .  O excelente livro " Uma gota de sangue " , de Demétrio Magnoli, tenta desvendar este mistério; na minha opinião , sem sucesso. Os nazista diziam que para uma pessoa ser considerada não- ariana, bastava haver indícios,  mesmo que mínimos , de que tinha um ancestral que fosse de outra " raça". Como aplicar este mesmo conceito no Brasil, a fim de separar brancos de não-brancos? Quiçá um exame de DNA.

   Mirrei fixamente em uma menina que passara perto do meu carro, ela tinha um nariz achatado e cabelos crespos como de um negro, porém  sua pele era tão clara como a de uma sueca. Com quem competirá pelas vagas na universidade? Provavelmente, com quem lhe convém.

   Se o caro leitor vai prestar o vestibular, e  teve a desfortuna de nascer com a pele branca, olhos claros e sua família não teve a sabedoria de matricular-lhe em uma de nossas "maravilhosas" escolas públicas, sinto informar-lhe , mas o seu vestibular se tornou ainda mais difícil. Por outro lado, se, como este que vos escreve, estudou em escolas particulares ( caríssimas diga-se de passagem) , mas tem uma cor de pele um pouco mais escura. Não refugue quando lhe perguntarem à qual "raça"  você pertence. Diga-lhes: tenho a cor de piche. Pelo menos é o que eu diria, como um bom brasileiro que sou.