15/10/2012

MEUS HEROIS ( Exército parte I)

   Como todo  jovem brasileiro ao completar 18 anos de idade, estava obrigado a  apresentar-me às forças armadas do meu país. Por outro lado, diferente da maioria   , ao chegar a maioridade já estava matriculado em um curso superior, o que não me isentava da obrigatoriedade vigente no "democrático" Brasil. Porém, este fato me dava uma opção de escolha , a de ingressar no exército brasileiro em uma escola de oficiais  temporários, o CPOR ( centro de preparação de oficiais da reserva). Dita escola foi pensada para dar àqueles que têm um nível cultural  superior ( leia-se ,os que estão matriculados em uma universidade)  aos demais  e se veem obrigados a servir pelo menos um ano de suas vidas à Força terrestre brasileira.
   Ao ingressar no CPOR , pensava em encontrar jovens com um nível intelectual alto, com estudantes de diversas carreiras das mais distintas áreas da ciência, de acordo com o histórico de alunos da instituição.  Bem , na verdade encontrei tais pessoas, mas na esmagadora maioria eram alunos que apenas haviam se matriculado em qualquer faculdade com o intuito de ingressar no centro, e assim gerar uma situação que lhes proporcionasse financiar seus estudos, ou seja, uma instituição que foi criada para não interferir nos estudos universitários de seus alunos, havia se transformado em uma oportunidade de emprego para os que desejavam ser universitários.

   Ao egressar do CPOR , é  concebida  ao jovem a graduação de aspirante a oficial,   titulo almejado por muitos ,sobretudo pelo soldo que lhes é conferido ,  que  nos dias atuais  chega as cifras de R$ 4323,00 , aproximadamente. Para um menino de 20 anos ganhar tão pomposo  salário , ter um porte de arma e uma identidade militar ; era como vestir-lhe uma capa do Superman, e é exatamente como muitos se sentem                         .  Obviamente a concorrência para o ingresso no centro de preparação era absurda, 200 vagas eram disponibilizadas e milhares de pessoas se candidatavam. Os métodos usados para a seleção incluíam : testes de habilidades intelectuais , provas físicas , além de um exame psicológico e médico. Mas, sim, existia em muitos casos o " Q.I ( quem os  indica)". Já no primeiro dia como aluno da instituição , encontrei companheiros obesos que não podiam ,sequer , correr por 300 metros, e então me perguntava, " como tais pessoas ingressaram se , teoricamente, teriam que correr 3000 metros em um tempo mínimo de 15 minutos? " . Nem o melhor fisiologista do mundo explica, mas o " Q.I" sim.



   Ao me formar aspirante a oficial no CPOR , no final do ano de 2003, fui encaminhado a uma unidade militar, para minha sorte a melhor  do exército. O 1º Batalhão de Policia do Exército, Batalhão Marechal Zenóbio da Costa, o  Berço da Polícia do Exército no Brasil, como dizia um antigo comandante, foi por 6 anos minha casa , literalmente. Neste local ,conheci a outra parcela ,  permito-me dizer os outros 99% dos jovens, que haviam se alistado assim como eu , mas por um  caminho bem diferente, à Força terrestre. Estes jovens eram geralmente oriundos dos bairros mais pobres da cidade, com renda familiar per capita muito baixa, nada comparado aos alunos da  escola de oficiais. A maioria não havia terminado o segundo grau ,e tempos depois ,com o convívio na caserna , constatei que quase todos tinham muita dificuldade com a escrita e interpretação de textos simples. Porém,  igual aos meus companheiros  de CPOR,  haviam ingressado  no exército,porque viram ali uma oportunidade de trabalho, ainda que o soldo pago para um soldado recruta (recém incorporado)  seja muito menor que o de um oficial, cerca de R$ 492,00, que somado ao "golpe" no auxilio-transporte, pode chegar a R$ 700,00.
   Estes soldados eram submetidos a uma rotina de trabalho , ao meu ver, desumana. Cumpriam seu expediente no quartel de segunda a sexta-feira ,e  concorriam a uma escala de serviço de 24 horas de trabalho com 24 horas de "descanso "( as aspas são pelo fato de que, nessa rotina, o militar era escalado para missões de policiamento , guardas diversas etc).  Somado a isso , as péssimas condições de habitação. Certa vez, um dos soldados da minha companhia foi roído por uma ratazana enquanto dormia.
 Sem falar na má qualidade da alimentação, futuramente escreverei uma postagem sobre este tema , pois fui durante 2 anos o oficial  responsável por administrar a cozinha do batalhão, tentarei explicar o fato das refeições no exército serem , salvo raras exceções,  de baixa qualidade.
   Com uma rotina  massacrante , aliado às péssimas condições de trabalho , esses guerreiros não tinham o direito de falhar. Fiscalizados assiduamente pelos oficiais , a qualquer erro mínimo, como um simples atraso ou uma pequena queixa, os recrutas eram punido com todo o rigor do regulamento militar, que muitas vezes os levavam ao cárcere por alguns dias. Em relação aos oficias, estes raramente eram punidos,  era-lhes permitido falhar à vontade, e quanto mais alto o posto ocupado, mais imunes ao regulamento se tornavam. Tenho um exemplo de um capitão, oficial de alta patente dentro de uma unidade militar como o 1º BPE, que chegava visivelmente embriagado ao quartel , e como se isso não bastasse , por uma vez urinou no pátio central da unidade. O que aconteceu com o tal militar?? Nada, ele era oficial.




    Nos meus últimos meses de serviço militar, após 6 anos e meio de dedicação à Força, recebi a função de capitão e tive a honra de  comandar uma  das companhias do 1º BPE . Mais experiente , aproveitei esta oportunidade para conversar e conhecer melhor  meus soldados ,e saber o porquê de submeter-se à tão estressante rotina . Houve um caso, que em particular me causou muita indignação. Um dos soldados da minha companhia, que havia prestado bons serviços ao Exército por 6 anos,   insistia em faltar ao expediente   e chegar atrasado;  chamei-o para uma conversa , e constatei que o militar havia se envolvido com o crack. Levei o problema ao meu comandante ,e lhe expliquei que o militar precisava de ajuda naquele momento, mas a resposta que obtive não foi surpresa para mim ,nem para o soldado: " primeiro o prendemos e depois o expulsamos". Juro que tentei argumentar, mas recebi outra resposta dura: " este não é um problema do exército, meu tenente". Então me coloquei no lugar do soldado e pensei , "se este ser humano que havia dedicado quase 7 anos da sua vida, de forma integral,  foi tratado desta forma, por que também não o poderiam fazer comigo?" Ah sim, eu era oficial...
 O tal soldado foi levado à prisão, mas com muita intercessão da minha parte pude salvá-lo da expulsão, às vésperas do fim de sua carreira militar.
    Para minha surpresa e alegria, percebi que havia trabalhado por todos esses anos , não com pessoas comuns  , mas com verdadeiros guerreiros, muitos dos quais sustentavam famílias inteiras com um soldo de R$ 700,00, que passavam a semana no quartel, mesmo nos horários de folga, afim de economizar seu  auxilio- transporte ,que não nutriam sonhos ambiciosos e que venciam uma guerra , fora e dentro do quartel, a cada dia. Desde este momento, tenho a certeza que não necessitamos de superman , posto que temos homens muito mais fortes e imbatíveis, nossos soldados, meus heróis!!!

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