Aproveitando o tempo livre que dispunha, afinal eu tinha aula somente 2 vezes por semana, entrei em contato com aproximadamente 100 universidades brasileiras de todos os estados do país, a fim de perguntar-lhes se aceitavam a transferência de um aluno oriundo da Argentina. Para minha surpresa e desespero , apenas 12 destas faculdades aceitavam tais condições. Inclusive , a secretária de uma das faculdades que eram contrárias ao ingressos de alunos transferidos do exterior explicou-me, dizendo : " antigamente costumávamos aceitar , mas a grade curricular de vocês é muito problemática, e resolvemos não aceita-los de agora em diante". Restava-me, então, buscar nas que me aceitariam ,e procurei saber como se dava o processo de admissão para alunos " estrangeiros" . Em todas estas faculdades, o processo se dá por meio de um concurso de admissão, com edital publicado e regras claras. Estaria lindo, se não fosse no Brasil. Ao procurar informações em pessoas que já haviam conseguido a transferência , deparei-me com um dado curioso e revoltante, tais alunos haviam se transferido por duas formas : indicação política ou por meio de suborno, a conhecida compra de vagas.
O comércio de vagas em universidades brasileiras faz-se de forma aberta em Buenos Aires. Onde estes traficantes de vagas encontrariam um mercado consumidor tão aquecido para seu " produto" ?
A cidade portenha está abarrotada de brasileiros que fariam de tudo para estudar medicina, e já que não conseguiram tal logro pelo esforço próprio, estavam dispostos a pagar, com dinheiro ou influência política, pela chance de estudar em seu país. A verdadeira prostituição da medicina.

No afã de conseguir uma transferência para o Brasil, estava realmente desesperado, resolvi entrar em contato com uma assessora chamada M. (não revelo o nome para evitar problemas futuros), para ver se poderia ajudar-me com este problema. Meu primeiro contato foi com uma de suas funcionárias, que após haver-lhe explicado minha situação, disse:
- Pablo, fique tranquilo, pois muitos estão em situação semelhante à sua, e pretendemos ajudar a todos.
Tais palavras foram, momentaneamente, de um alento enorme para minhas pretensões, pois neste momento me encontrava , como diz o dito popular: " num mato sem cachorro". A atendente me pediu para retornar o contato duas semanas após este primeiro atendimento. Na segunda vez que falei com a funcionária da assessoria, as boas-novas me deixaram ainda mais animado. Ela me dissera que meu nome já figurava no grupo de alunos que iriam transferir-se para o Brasil com a ajuda da empresa na qual trabalhava, mas que dentro de uma semana eu teria uma reunião com Dona M, a fim de esclarecer os detalhes. Em meio a estas explicações , fui alertado de que todo esse trabalho teria um custo, ao meu ver, e até então, nada mais justo.
No dia e hora marcados, fui ao encontro de M. , com a expectativa de um vestibulando que vai saber o resultado da prova. Ao chegar ao seu escritório , fui recebido por uma de suas funcionárias , que me mandou aguardar enquanto sua chefe falava ao telefone com um brasileiro, mais um que não havia passado no vestibular e queria fugir para o país vizinho. Finalmente fui chamado por M. , que me perguntou de uma forma ,um tanto quanto, irônica:
- O que houve, Pablo? Quer voltar?? É.... Tá todo mundo voltando.
E antes que eu pudesse falar dos fatos que haviam me levado a tal decisão, fui interrompido com um discurso sincero desta senhora:
- Não vou enrolar você! O negócio aqui é venda de vagas.
Estas palavras foram como um tiro no meu peito , mas confesso que por haver buscado informações em pessoas que haviam se transferido , e visto que todas o haviam conseguido por meios ilícitos , não foi nenhuma surpresa. Mas , perguntei-lhe:
- E a transferência?
M., sorrindo , respondeu-me:
-Transferência é quase impossível. A não ser que você tenha um conhecimento forte no Brasil, você o tem??
Sem ter o que responder , fiquei calado. E ela após abrir a gaveta de sua mesa e sacar uma lista de duas páginas , falou:
- Aqui tenho a lista de faculdades que você poderá ingressar, é só escolher e pagar.
Ao ler tal lista contei aproximadamente 30 faculdades privadas de vários lugares do Brasil, havia uma tabela com o nome das instituições de ensino , quantidade de vagas disponíveis para compra, localização e o preço cobrado. Os valores variavam de R$ 30000,00 a R$ 60000,00, algumas necessitavam a presença do candidato no dia do exame de ingresso, outras , nem isso. Escolhi uma faculdade do meu estado, e lhe interroguei a respeito da confiabilidade do processo, M. me explicou, dizendo:
- É 100% garantido, inclusive, você só paga depois que fizer a matricula.
Insisti em saber como funcionava o " esquema", e ela me disse:
- Pode ficar tranquilo , pois todos ganham: eu, a faculdade e um intermediário , por isso é tão garantido. Tanto que tenho muita gente que já está estudando em varias destas universidades.
Impactado com a situação, despedi-me de M. e fiquei de dar-lhe uma resposta nas próximas 24 horas.
Ao chegar em casa e dormir durante 1 hora- estava emocionalmente muito abalado- pensei e tomei uma decisão, a de abandonar tudo.
Desde este momento, comecei a perceber que o sonho de estudar medicina havia me levado a colocar minha honra sob prova, e eu confesso que quase vacilei. Nos dias subsequentes a este episódio , caí em depressão , mas tinha a certeza que não iria corromper-me a troco de nada. Posso estudar qualquer outra profissão, desde que seja de forma digna e honesta. Ao contar da minha decisão a outros brasileiros que estavam estudando em Buenos Aires , fui repreendido, e sempre me alertavam pelos benefícios financeiros que a medicina poderia me trazer em comparação a qualquer outra profissão. Com isto , reafirmo que a esmagadora maioria dos que deixam o Brasil rumo aos países vizinhos em busca de um diploma de médico não o fazem por vocação ,e sim por ambição. Deixei a Argentina e a vontade de ser médico, permitindo-me descobrir dentro de mim novos dons e a alegria de poder caminhar com a cabeça erguida no meu pais , sem ser um fugitivo, um exilado, sentimento que nenhum valor pode comprar.